“Quis o mais genuíno e belo deles”
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“Quis o mais genuíno e belo deles”
Nasceu em Espanha (Madrid), mas aos 18 anos já estava em França, onde viveu dois anos, para estudar ballet clássico. Daí, partiu para Inglaterra e ali aprendeu mais durante oito anos. Actualmente, vive na Suíça (Genebra), mas já dançou mundo fora e é das coreógrafas (além de realizadora e directora artística) mais conceituadas da Europa. Agora, La Ribot está na Madeira com o Grupo Dançando com a Diferença, e é responsável pela coreografia de “Happy Island”, que a companhia de Henrique Amoedo leva ao palco da Casa das Mudas entre hoje e Domingo.
Como surge a parceria entre o Grupo Dançando com a Diferença e a La Ribot Cie?
O Henrique [Amoedo] foi ver um espectáculo meu há dois anos e propôs fazer uma peça para o grupo. Disse-me que tinha de conhecer a companhia primeiro e vim em Junho de 2016. Foi uma viagem rápida para conhecer a Sofia, a Joana e a Bárbara, as bailarinas com as quais ele queria que eu trabalhasse. Mas quando vi o grupo completo queria trabalhar com todos. Ele explicou-me que era complicado. Em Novembro, de 2016, regressei cá para planearmos e voltei a dizer que gostava de fazer com toda a companhia. Também queria trabalhar com uma cineasta de cá, a Raquel Freire, e pensei que o filme podia servir para integrar o grupo.
Qual a função do filme?
Está sempre a passar no decorrer do espectáculo?
Pensámos num documentário porque queríamos mostrar o trabalho social e político que existe nesta companhia. Isto é muito importante. Só que o filme foi ficando mais artístico e a Raquel teve a ideia de um bosque e decidimos que todo o filme se passaria aí. Mas pedi ao Henrique para ter a Maria João e o Pedro e assim fiquei com cinco bailarinos. Só que fui com a companhia ao Fanal e filmámos lá com todos. Ou seja, estão todos na obra, mas a partir do filme.
Porque queria trabalhar com a Raquel Freire?
Sabia que não tinha tempo para fazer o vídeo e queria colaborar com o cinema de cá. Queria alguém que pudesse dar uma dimensão diferente ao palco. A Raquel tem uma boa escuta e é boa companheira de andar. Esta fricção entre o tempo que passa no filme o que passa em palco é algo que me interessa muito.
É a primeira vez que trabalha com um grupo inclusivo?
Não sei se é de inclusão, mas tive alguns projectos. Em 2004 fiz o “40 Espontáneos” e trabalhava com pessoas das cidades que me convidavam, como desempregados... No Reino Unido participou muita gente pouco incluída na sociedade. Estive sete anos com a ‘girar’ pelo mundo com esse projecto preciosíssimo. Não era Síndrome de Down, mas havia muita diversidade, gente com origens muito diferentes. Gostei muito. E também trabalhei, dois anos, com um surdo em Londres... Mas Síndrome de Down não é o mesmo, é mais complexo.
Emocionalmente é muito exigente?
Não sei... é muito emocionante, mas creio que todos os trabalhos que faço o são. Há sempre uma grande empatia, tem a ver com os intérpretes, com os colaboradores, se não há empatia não funciona. Existe uma relação muito forte. Aqui também é muito forte... [La Ribot fica a pensar durante uns segundos]. Aqui é mais forte, é mais intenso. Mas também é mais longo. Estou aqui há duas semanas mas já estamos com este trabalho desde 2016 e entra no coração, vai fundo. Choro de riso e de profunda emoção todos os dias. As duas coisas juntas... ‘uahh’ [La Ribot junta as mãos no peito para depois as largar no ar para mostrar que as emoções saem torrencialmente].
Como foi o processo criativo?
Era importante entregar um personagem inventado, uma mitologia estranha, a cada um destes cinco bailarinos. Algo que pudesse construir ao redor do que creio que eles emanam. Concentrar em cada um deles uma coisa muito próxima do que eles têm dentro...
Mostrar a genuinidade?
Isso! O mais genuíno que pudesse ‘sacar’ deles. E o mais belo. Este é um trabalho de busca contínua da beleza, mais do que emoção. Tentei encontrar a beleza que cada um tem e que a encontrei. Há muitíssima beleza neles, em toda a companhia. Em todo o exercício.
O Grupo é como uma família. Porque é que isto é tão importante?
É muito. O lugar que o Henrique propõe é expansivo. É muito importante a família que eles formam, a própria companhia com as famílias dos miúdos, com os que os apoiam o projecto, com as autoridades, com a ilha. É fraterno, é em rede. É muito interessante e importante. E muito político. A primeira família são eles, é o Henrique, o Telmo, a companhia e todos os que estão ligados. É magnifico como os miúdos são acompanhados, respeitados, impulsionados... como se expandem. Como ensinam a serem autónomos. Empurram para que sejam indivíduos independentes e autónomos. Isto é injectar vida.
Este espectáculo também é sobre isso: sobre o valor a vida?
Tem a ver com esta beleza, com o desejo profundo de viver. Deles. De lhes darem espaço para se realizarem, o mais possível, como indivíduos autónomos. E livres de pensamentos... Tentei tocar profundamente nisso. E na beleza. No que há de belo nos corpos, nos desejos pessoais e fantasiosos, na imaginação. E está tudo envolvido num projecto artístico, mas o lado político e social está na base. Podemos dizer que tento ‘sacar’ e descobrir mais beleza. Mas acho que a base total do que me interessa está no que ocorre ao vivo. Essa magia, esse secreto de ir ver algo que ocorre ao vivo.
Por ser irrepetível?
Exactamente. Mesmo que se repita no dia seguinte é diferente. E o amor, a paixão, como tudo se concentra para ser isto, me interessa muito. Gera muita vida.
Há uma narrativa?
Não. Mostra cada um nas suas personagens inventadas, que são muito exageradas. As histórias não se ligam entre si. Sim, estão juntos, mas têm os seus solos e quase estão separados por eles. Estão todos unidos no bosque do filme, que é um lugar de desejos, das ideias inalcançáveis ou alcançáveis. É como dois mundos: um que fala da mente, dos desejos; e outro onde as personagens evoluem em cima do palco. Mas vão juntos.
E agora o Dançando com a Diferença vai ser conhecido nos seus circuitos artísticos.
A ideia era sermos sócios, uma co-produção, fazer juntos, unir forças. E levar aos meus contactos na Europa, aos meus circuitos. Não é só uma obra com o grupo, é uma obra minha e tem de ir aos lugares onde vão os meus outros trabalhos. Estreamos em Genebra [Suíça], no teatro que me co-produz. . Primeiro pô-lo como projecto meu para ter força e depois nos meus circuitos. Todos eles. De novo: é um exercício político. Para aumentar, expandir, todo este trabalho que me parece muito importante.
Está feliz com o resultado, sente que o espectáculo está construído?
Sim. Mas estou à espera de críticas de pessoas amigas, são muito importante. Experimento muito, nada é certo. Estou sempre à procura. Por isso os espectáculos podem mudar, é o interessante do vivo. Depois de feito, filme não pode. E também não gosto de trabalhar ao segundo, gosto de trabalhar como um elástico. A ideia é que o filme nos dirija mas não limite, de forma que os bailarinos possam ser autónomos, possam estar dentro do tempo deles. Elástico para que aconteça sempre algo de verdadeiro. O espectáculo é muito exagerado visualmente: tanto bosque, como as personagens. Por isso o que acontece tem de ser autêntico, eles com os seus ritmos e suas autonomias.
Costuma dizer-se que sempre se aprende algo com trabalhos novos. O que aprendeu com este?
A mudar formas de trabalhar antigas porque não era possível trabalhar assim. A alterar os meus desejos para fazer o dos outros. Podemos mudar métodos, mas as ideias não mudam. É mais aberto, mais amplo. A pergunta é difícil: sei que aprendi muito, mas quando estamos a aprender não sabemos bem, só passados uns tempos é que penso: ‘Ah! Aprendi isto ali!’. É preciso digerir. Sou flexível no trabalho, na vida. Trabalho com o coração.
O que é que o público pode esperar?
Não sei. Gostava que sonhassem connosco.
Fonte: Diário de Notícias