HAPPY ISLAND
de La Ribot (2018) com o Dançando com a Diferença
PESSOAL ESPECÍFICO
Olhar mais atentamente. Ver para além da historiografia dos gestos do quotidiano que já ganharam estatuto de arte, num movimento de permanente ruptura, que sugere uma implicação nesse olhar, e na escuta, para ir além do cair, do andar, do tropeçar, do sentar, do correr, do abraçar... Olhar mais atentamente. Pousa realmente o olhar nesse gesto rebelde que diz da impossibilidade de ser domado. É nesse sentido que Henrique Amoedo tem pensado a companhia Dançando com a Diferença. Sem concessões nem facilitismos. Por isso o pensamento artístico levou-o a desafiar La Ribot a encontrar o grupo.
É nesse encontro, acto de comunhão na liberdade reivindicada, que percebemos essa HAPPY ISLAND que La Ribot criou com os bailarinos da Dançando com a Diferença, filme de Raquel Freire e assistência coreográfica de Telmo Ferreira. Diz que esta é uma companhia de dança inclusiva, com uma maioria de bailarinos com Síndromne de Down, mas... Olhar mais atentamente. Este é um encontro de pessoas e lugares específicos, formulando um novo género de site-people-specific, dando continuidade mas aprofundando uma linha de pesquisa que reconhecemos a La Ribot, onde o profundamente humano desafia o profundamente artístico, tocando-se numa intimidade assombrosa do profundamente delirante.
Em HAPPY ISLAND, há pessoas que são lugares e lugares que são pessoas e no encontro, ou tensão, entre os dois gera-se ficção, mito, lenda. E nunca saímos do real. Nunca abandonamos as pessoas, em riso e em lágrimas. Nunca saímos do Fanal, o vertiginoso ponto mais alto da floresta do Funchal, onde o céu parece tocar as entranhas da terra – é isso também que vemos no filme de Raquel Freire, assim como a comunidade alargada de toda a companhia de dança em festa de expressão do sentir sensual. Entramos no túnel, por essas estradas rompidas à natureza, para baralhar os sentidos. Real-imaginário-specific.
É nesse paradoxo temporal e imagético também que se move o acontecimento ao vivo e o filme projectado, onde animal e humano se cruzam no corpo e no acto que tem tanto de sexual, orgíaco como simplesmente... é... ou simplesmente dispõe-se a ser e estar no movimento mais mínimo da expressão pessoal. Pessoal Specific.
Olhar mais atentamente. Para Maria João Pereira constituir-se enquanto arte viva, em cena, tem a duração expandida e trémula de prender o cabelo num rabo de cavalo, largar a cadeira de rodas e descer ao chão. E depois deixar-se ficar, estendida de lado, a tremer. Quantas peças de dança contemporânea exploram as intensidades perturbadoras do corpo trémulo, que se desfaz e refaz continuamente? A pessoa é, aqui, um 'site specific' e o lugar que assim se constitui é fortemente subjectivo e constituído de fábula.
No encontro delirante de todas estas particularidades e La Ribot gera-se um novo gesto, que na verdade é apenas evidência de algo que já existia nas suas obras e é apenas evidência de algo que já pulsava naqueles corpos – de Bárbara Matos, Joana Caetano, Sofia Marote, Pedro Alexandre Silva, Maria João Pereira. Por isso novamente ready made. O real-imaginário-pessoal-specific-ready-made. E Duchamp novamente. O real tornado arte e a arte que, na depuração sensível do encontro com o outro, dá a ver o real que antes passava despercebido. Olhar mais atentamente. Profundamente humano, profundamente conceptual, profundamente orgânico, profundamente geométrico, profundamente narrativo e ficcional, profundamente abstracto e depurado. Kitch, mitológico, sexual, cabarético e geométrico.
A ilha é o lugar da fantasia mas a fantasia é o lugar de expressão livre de cada um e cada um é essa ilha que aparenta ser uma pintura à mão de uma paisagem, de floresta mergulhada em bruma, que recebe o público no início do espectáculo para, mais tarde, descobrirmos que o seu isolamento é integrador de múltiplos conteúdos internos e profundamente relacional. Ilha e pessoa confundem-se. E todas as fábulas que habitam dentro dos dois. E assim fantasia e real aproximam-se de um sonho vivido e sonhado. O que existe e o que é dado a ver em HAPPY ISLAND é testemunho de vida e de arte. Specific. Olhar mais atentamente.
(Texto de Claudia Galhós sobre HAPPY ISLAND)
Ficha Artística
Direção e coreografia: La Ribot
Bailarino: Bárbara Matos, Joana Caetano, Maria João Pereira, Sofia Marote e Telmo Ferreira
Assistente de coreografia: Telmo Ferreira
Iluminação e direção técnica: Cristóvão Cunha
Figurinos: La Ribot
Confeção dos figurinos: Laurence Durieux / Teresa Neves
Músicas: Francesco Tristano, Jeff Mills, Archie Shepp, Oliver Mental Groove, Atom tm, Raw C + Pharmakustik
Colaboração artistica e direção de entrevistas: Josep-María Martín
Participante na entrevista: Emília Monteiro, Maria João Pereira e Bárbara Matos e José Figueira
Realização do filme: Raquel Freire
Assistente de realização do filme: Valérie Mitteaux
Montagem: Raquel Freire
Câmara: Raquel Freire e Valérie Mitteaux
Bailarino do Dançando com a Diferença no filme: Aléxis Fernandes, Bárbara Matos, Bernardo Graça, Cristina Baptista, Diogo Freitas, Filipa Vieira, Isabel Teixeira, Joana Caetano, José Figueira, Lígia Rosa, Maria João Pereira, Natércia Kuprian, Nuno Borba, Pedro Alexandre Silva, Rui João Costa, Sara Rebolo, Sofia Pires, Sofia Marote, Telmo Ferreira, Teresa Martins e Vittória Vianna
Produção executiva: Henrique Amoedo, Diogo Gonçalves e Paz Santa Cecilia
HAPPY ISLAND nasce de um convite de Henrique Amoedo - Dançando com a Diferença a La Ribot.
É uma coprodução dos Dançando com a Diferença – Madeira e La Ribot Cie – Genebra.
Em coprodução com Le Grütli - Centre de Production & de Diffusion des Arts Vivants - Festival La Bâtie - Genève e o CN D, Centre National de la Danse – Paris e “Comemorações dos 600 anos do descobrimento da Madeira e Porto Santo” - Portugal
Com o apoio de: La Fondation Ernst Göhner, AC/E (Acción Cultural Española) e NAVE (Chile)
Agradecimentos: a Mateo Jobin pelo título de «Happy Island», a Lidia Rodrigues chapéu de plumas, a Eric Weiss pela camisa negra, a Marco de Barros e Nuno Borba pelo seu continuo apoio
Dançando com a Diferença
Direção artística: Henrique Amoedo
Presidente da direção: Telmo Ferreira
Produção executiva e comunicação: Diogo Gonçalves
Apoio à produção artística: Nuno Borba, Natércia Kuprian, Mariana Valente e Sara Valente
Dançando com a Diferença é uma estrutura financiada pela República Portuguesa / Direção Geral da Artes, Governo da Madeira / Secretaria Regional de Educação e Secretaria Regional do Turismo e Cultura
La Ribot Cie:
La Ribot é uma artísta associada ao CN D - Centre National de la Danse - Paris (2018-2019)
Direção artística: La Ribot
Produção executiva: Paz Santa Cecília
Produção e comunicação: Sara Cenzual
Administração: Gonzague Bochud
Direção técnica: Marie Prédour
La Ribot - Genève está subvencionada pela Ville de Genève, pela République et Canton de Genève e pela Pro Helvetia Fondation Suisse pour la Culture
©Cie. La Ribot ©Dançando com a Diferença